Móias e violão

- Oi, vem pra cá.
- Agora?
- É. Traz o violão.
Mía estava sentada no piso de granito da entrada de seu prédio quando ele chegou. Uma de suas pernas estava dobrada verticalmente e servia de apoio para seu braço, que sustentava a mão com as unhas levadas aos lábios. Usava um casaco de malha verde-desbotado, fazia um estilo casual e estava com o cabelo desarrumado. Ainda assim, ela conseguia ser atraente. Mía possuía uma beleza natural e era conhecida por isso. Olhava para o horizonte, parecendo distraída.
- Tá aqui faz tempo, Mía?
- Han? Ah, não... Acabei de descer. Senta aí.
Ele sentou-se ao seu lado direito apoiando o violão sobre suas pernas cruzadas. Também usava um casaco, mas preto, e seu cabelo estava amarrado.
- Que milagre em pleno sábado à noite você aqui.
- É, ninguém me chama pra sair. Sou forever alone.
Ela sorriu como quem tem poucos amigos e ele notou uma dose de melancolia em seu olhar.
- Ah... Eu já cansei de te chamar pra sair. Você nunca pode.
Ele abriu o zíper da capa protetora do violão.
- Aprendeu alguma música nova?
- Aprender? Eu não aprendo. Eu sei. Todas.
Sorriu com a palheta entre os dentes enquanto pegava o violão.
- Sei, e modéstia é o teu segundo nome, né... – ela riu.
- Conhece esta aqui?
Ele começou a tocar alguns acordes.
- Conheço... “Feel the rain”. Por que você não canta?
- Porque eu não gosto de cantar.
Ele esboçou um sorriso sem parar de tocar. Ela o encarou como se desconfiasse dele.
- Deveria tentar. Eu gosto da tua voz.
- Nada. Mas o quê você tem, Mía? Por que me chamou?
Ele voltou o olhar para o violão.
- Nada. Só estou pensativa.
Ela voltou a olhar o horizonte. Ele continuou tocando. Nos próximos momentos seguiu-se apenas o som da música, quando ele bruscamente parou e perguntou:
- Pensando no quê?
- Na vida... Mas nada que valha a pena ser comentado.
Ele voltou a tocar outra música.
- Acho que ando meio melancólica ultimamente...
- Acha que não percebi?
- Você também fica assim?
Ele diminuiu o ritmo dos acordes e ficou pensativo por instantes, olhando para o horizonte.
- Sim... Por causa da Ani...
Ele baixou a voz antes que terminasse de pronunciar o nome completo.
- Pode falar, Moris. Não é segredo, eu sei que vocês estão saindo. Você e a Anisia, apesar de eu não gostar dela.
- Por quê mesmo?
- Moris... Cara... Eu já te disse o quê penso dela.
Ela mirava o granito e ajustou uma madeixa de cabelo para trás de sua orelha. Ele calou-se e lançou o olhar para uma direção à diagonal de onde se encontravam.
- Espero que você esteja errada. É o teu irmão vindo?
Um homem poucos anos mais velho do que eles, sério e não muito alto, havia acabado de chegar e se aproximava de onde eles estavam.
- Não vai subir muito tarde, Mía. Moris.
Mal olhou para a irmã e apenas acenou com a cabeça ao “cumprimentar” Moris, logo subindo para seu apartamento.
- Edu simpático como sempre.
Moris ironizou e voltou a atenção para o violão. Ainda estava incomodado com o comentário de Mía que o fez se lembrar do que ela lhe dissera acerca de Anisia.
- Acho que sou homo.
Moris não tinha certeza se ouvira direito.
- Quê, Mía?
- Acho que sou homo - ela repetiu indiferentemente, olhando para o horizonte novamente - Mas só descobri recentemente, depois da festa do Gustavo, pra você ter noção.
Moris estava imóvel, não sabia bem como reagir e Mía percebeu.
- Fica tranquilo, foi muito depois que a gente... Assim, não foi tua culpa - ela pareceu querer se explicar a ele.
- Eu só estou... surpreso. Muito. Mesmo. Não esperava...
- O quê? É tão anormal assim? – ela riu.

Comentários

  1. Na hora que ela falou da Anisia, eu tava crendo que ela era apaixonada pelo Moris. Aí vem esse final surpreendente, ri demais.
    Muito legal, abiga.
    (L)

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  2. OW, juro que até hoje eu quero saber o que a Mia pensa da Anisia. HASUHASUHAS

    Amei o desfecho, ficou intrigante e surpreendente, amei amei amei amei amei mesmo.

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