Pascarigudum


Maestro Zezinho levava este nome desde quando se mudou pra cidade, ninguém sabia exatamente o porquê da denominação, mas todo mundo ia conforme a dança. Logo que pisou pela primeira vez na terra seca daquele lugar, encontrava seu coração inundado de paixão por Dorinha, uma menina dos cabelos dourados como o Sol.
Dorinha dizia que não queria nada com Maestro, porque que diacho de maestro vai pra roda de samba toda sexta feira e não canta, tampouco tira uma moça pra dançar? Principalmente dona Rosinha que se assanhava toda pro lado dele e ele todo frouxo não fazia era nada.
Rosinha se enrabichou por Maestro desde que o viu na venda de Seu Joaquim da primeira vez, ela sentia suas sardas quentinhas quentinhas quando ele passava por ela, mas ele nunca deu bola. Ela usava saias curtas, vestidos de chita rodados que sua mãe costurava e nada nada.
Um dia Rosinha revoltou-se e tingiu os cabelos de dourados, parecendo os de Dorinha, dona Zefa, do salão, disse logo que o rosto dela se iluminou com a nova cor e ela saiu serelepe pela cidade, arrancado assovios de todos da rua, uns conhecidos e outros nem tanto. Foi pra roda de samba e dançou até se acabar, não ligou muito pra Maestro, que como sempre tava sentado na cadeira vendo as mocinhas rebolarem e os homens babarem sobre elas.
Zezinho passou a ver Rosinha antes mesmo dela tingir os cabelos, via o assanhamento dela e até apreciava ver uma menina tão devota a ele. Às vezes, não sabia ele se era pra judiar ou porque ele amava, passava pela menina só pra ver suas bochechas corarem e o olhar dela seguindo ele. Na verdade, dizia pra si mesmo que era porque ele gostava de judiar de menininhas apaixonadas, mas bem no fundo ele gostava daquilo.
Quando viu Rosinha toda cobiçada, cheia de rapazes cercando-a, sentiu um nó na garganta que nunca sentira quando Dorinha dançava com os outros rapazes. Uma fúria foi tomando conta de Zezinho e ele percebeu de uma forma até meio imbecil que o objeto da afeição dele era Rosinha desde o começo, ao invés de arranjar briga com os cabras machos que a cercavam, levantou-se e estendeu sua mão na frente da de todos os cavalheiros, que deram espaço pro novato estrear na pista.
A música era um forrózinho pé-de-serra que se dança bem juntinho da pessoa, Maestro sentiu a bochecha quentinha da moça contra a sua e suprimiu a vontade dele de moço de cidade grande de agarrar a menina ali na frente de todo mundo, dançou mais umas três músicas seguidas.
Ela não sabia o que pensar mais sobre a vida, o mundo de repente tinha dado uma rodada arretada e ela não sabia se tava lesa ou se o mundo tava rodando bem rapidão.. Maestro cochichou no ouvido dela que queria acompanha-la até em casa e o corpo todo arrepiou, ele sentou-se de novo, respirando bem muito e arrancando até aplauso do povo.
Maestro acompanhou Rosinha, que tava toda encabulada de andar do lado do moço por quem ela tinha tanto afeto, ele ficou contando pra ela histórias sobre as estrelas do céu, que ela não conseguiu compreender por inteiro, mas achou bonita por demais. Eles ficaram em silêncio por um segundo e ela disse que gostou de ter dançado com ele.
“Foi uma surpresa boa demais”, foram as exatas palavras dela.
“Você também, Rosinha”.
Ele só olhou enquanto ela baixava a cabeça e ficava vermelha que nem tomate cereja, ele se perguntou se os lábios dela seriam tão saborosos quanto, mas logo baniu o pensamento, ao ver que não era próprio pensar dessa forma sobre a menina.
Rosinha não sabia nem o que dizer, então foi logo desviando o tópico da conversa pra perguntar por que raios todo mundo chamava ele de maestro. Foi a vez dele de ficar todo vermelhinho e ela só o olhou.
Maestro Zezinho foi instruído por um de seus amigos boêmios da cidade grande de se apresentar como tal, para que as meninas pensassem que ele tinha algum título de importância, mas na verdade o tal amigo o considerava um maestro por coordenar tão bem cada um de seus movimentos pra ele conseguir conquistar as mocinhas ingênuas. Ele só balançou os ombros e disse que não sabia muito o porquê daquilo.
Ela chegou pertinho dele, pra sentir um cheiro tão abestalhante que deixou ela meio sem ar, deu boa noite e ainda meio lesada do cheiro ela pediu-lhe um beijo, assim, como se pedisse carne no açougue.
Zezinho hesitou, conhecia o pai da menina e não queria perder o respeito dos dois por tomar uma atitude como essa, sabia que a menina era tímida e os olhos dela pareciam vidrados olhando pra ele, ávida por uma resposta, ou um beijo... Ou talvez os dois ao mesmo tempo se isso fosse possível.
Rosinha prendeu a respiração, jogou os cabelos pra trás e ficou olhando pra ele, que pela cara parecia que tava fazendo uma conta bem difícil na cabeça, perdeu as esperanças e fora longe demais falando aquilo. Ela quis chorar e sair correndo, mas era como se tivesse um jumento sentado em seus pés.
Zezinho viu a feição da moça mudar para uma mais apavorada e pensou: “foda-se tudo isso, eu tenho mais é que amar essa moça do jeito que ela merece” e lascou-lhe um beijo nos lábios de fazer inveja no artista de cinema.
Rosinha viu o moço se aproximando e sentiu que queria sair correndo de novo, ela nunca tinha feito isso antes e tava mais apavorada do que rato quando via cobra... Mas aí o lábio dele encostou no dela  e ela se acalmou. DaÍ então bem entendeu porque chamavam o rapaz de maestro porque quando ele a beijou, ela sentiu um ziriguidum estranho dentro dela e parecia que até as tripas tavam caindo no samba estranho que ele tava mostrando pra ela, mas nunca saindo do controle.
Ele também se entregou à melodia que a menina tava fazendo o corpo dele todo dançar e ali, naquele momento, nada importava mais...
O mundo acabaria em samba.

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